"A Boa Sorte", de Rosa Montero
"A alegria é um hábito. Às vezes Pablo acha que a felicidade é nua e simples, e tão fácil que dá vontade de chorar"
Antes de começar, preciso avisar o leitor de que a escrita da espanhola Rosa Montero mexe comigo como poucas autoras fazem, Elena Ferrante, Clarice Lispector e Virgínia Woolf talvez estejam no mesmo patamar. Então esteja avisado, nem tentarei disfarçar, essa é uma resenha apaixonada. Mas considero esse amor todo completamente justificável. É preciso ler para saber.
Não-Ficção não é minha praia, mas, surpreendentemente, esse é o primeiro romance que leio da espanhola, também conhecida por escrever “A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver“ e “Nós, Mulheres“, ambos editados pela Todavia.
E mais uma vez sinto sua escrita me pegar nos braços. É possível ver rastros de suas publicações anteriores em detalhes sutis do livro, como o nome do protagonista, que é Pablo, o mesmo do companheiro cuja perda ela narra em “A Ridícula Ideia“. E mesmo se tratando de um romance, ela consegue inserir fatos verídicos e inusitados, beirando o formato de ensaio, como costuma trabalhar em suas obras, mas dessa vez usa os pensamentos dos personagens para essas divagações.
“A Boa Sorte“ pode ser chamado de suspense ou romance policial, apesar de no fundo ser muito mais que isso. Rosa explicou, em entrevista ao “Estadão“, que se trata de “thriller existencial, sem assassinatos e muitos mistérios”.
Nas primeiras páginas sabemos apenas que um homem de cerca de 50 anos que se encontra num trem-bala que parte de Madri, decide comprar um apartamento que vê à venda em uma das paradas da viagem.
O imóvel está em péssimas condições e fica em uma das menores e mais feias cidades da Espanha. Os próprios habitantes começam a se perguntar qual o motivo desse homem, chamado Pablo, ter escolhido recomeçar sua vida ali. Ele mesmo parece não ter certeza.
Não posso dizer mais para não estragar as surpresas, mas quero falar sobre Raluca, a nova vizinha de Pablo, que é um dos personagens mais interessantes que li nos últimos tempos. Apesar de claramente ter vivido uma vida difícil, ela acredita ter “boa sorte“, como diz o título do livro, e sua relação com o novo amigo vai mudando a vida de ambos. Raluca “acredita que a alegria é um hábito“, como explica a própria Rosa, e essa é a mensagem que levamos do livro.
Os capítulos são curtos e são vários os narradores, todos eles ligados de alguma forma com o protagonista, o que traz um dinamismo muito interessante para a obra. A cada nova página, um novo pedaço da história de Pablo vai sendo revelado. Quem, como eu, adora um bom plot twist irá amar.
Rosa Montero, um dos maiores nomes do jornalismo espanhol, publicar romances foi uma novidade para mim, pois ainda não temos acesso a grande parte de sua vasta obra aqui no Brasil. Mas, como disse anteriormente, apesar da mudança brusca de gênero, podemos ver claramente as marcas pelas quais é conhecida.
Numa nota mais pessoal, estava com Covid quando li boa parte do livro. Apesar de confiar nas vacinas, tem uma hora que a ansiedade bate, não tem jeito. E foi justamente nessa hora que finalizei o livro. “A Boa Sorte“ é encerrado numa linda nota de esperança e otimismo, que vai contra tudo o que foi elaborado mentalmente pelo protagonista ao longo da história. E mais uma vez me senti abraçada pela escrita da Rosa. A primeira vez foi quando perdi meu pai e encontrei em “A Ridícula Ideia“ uma companhia para o luto.
É essa empatia, tão tão tão rara, especialmente em escritores renomados, e a clareza com que parece nos ajudar a desvendar a vida que nos faz sentir amigos íntimos da autora. Rosa, muito obrigada por mais esse abraço.
Eu tô louca pra ler - tá já na minha cabeceira, só esperando ter um tempinho :)