"A História de Shuggie Bain", de Douglas Stuart
“A tristeza era um hóspede melhor; pelo menos era quieta, confiável, consistente”
"A História de Shuggie Bain", livro de estreia do escocês Douglas Stuart, narra a ingrata tarefa de tentar salvar uma pessoa que não quer ajuda, num esforço comparável ao de Sísifo, condenado por toda a eternidade a levar uma rocha ao cume de um morro, apenas para vê-la rolar novamente.
No livro, ganhador do renomado Booker Prize de 2020, acompanhamos a história de Shuggie, um menino tímido que entre seus cinco e dezesseis anos trava uma batalha desesperada - e perdida desde o princípio - para sobreviver e ajudar a mãe alcoolista.
Gay, Shuggie é alvo de bullying e abusos durante toda sua infância, que acontece longe do pai, que abandona a família, e dos irmãos, que fogem de casa assim que encontram uma oportunidade, tendo por perto apenas a mãe, numa relação inversa desde muito cedo, onde ele se vê obrigado a cuidar dela e da casa da melhor forma que consegue.
Como pano de fundo temos a Glasgow, cidade operária da Escócia, passando por um de seus piores momentos de crise, durante o governo de Margaret Thatcher na década de 80, com índices de desemprego nas alturas e fome por todos os lados.
Apesar de toda a tristeza do enredo, não podemos nos deixar enganar. O livro, que contém traços autobiográficos, é, acima de tudo, uma carta de amor, crua e desesperada, do autor para a mãe, morta quando ele ainda era adolescente, após anos de abuso de álcool.
O título do livro pode levar o nome de Shuggie, mas a obra é também protagonizada pela mãe dele, Agnes, uma mulher orgulhosa e de rara beleza, que mesmo em seus momentos mais obscuros, quando tenta se matar, ou precisa se prostituir para conseguir comprar mais bebidas, está sempre mostrando um raro senso de dignidade.
A admiração de Shuggie pela progenitora é imensa. Desde pequeno o protagonista não tem nada além de amor para dar para a mãe, parecendo desde muito cedo entender que ela sofre de um transtorno e que suas ações não são quem ela é. Ele sente uma necessidade de defendê-la não somente do mundo à sua volta, mas principalmente de si mesma.
No comovente final do livro vemos seu maior ato de amor após anos e mais anos de sofrimento. É muito triste vê-lo perceber que, no final das contas, existe muito pouco que ele possa fazer para de fato ajudar alguém que não quer ajuda.
Apesar de toda a beleza do texto, é uma leitura que não se traduz muito bem para o público brasileiro. Muitos aspectos do contexto onde a história se passa são muito distantes da nossa realidade brasileira de 2022 e podem não trazer todas as informações que o autor queria passar.
Além disso, a intenção do escritor de narrar todos os menores detalhes sobre o dia a dia da pessoa que tem problemas com a bebida - e como isso pode afetar todos ao seu redor - acaba por trazer um tom repetitivo para vários trechos do livro.
Conclusão: É uma obra de rara beleza, sem sombra de dúvidas, mas é preciso ir a fundo - e atravessar quase 600 páginas, muitas delas levadas num ritmo extremamente lento - para poder apreciar a mensagem.