"A Vergonha", de Annie Ernaux
"Meu pai tentou matar minha mãe num domingo de junho, no começo da tarde"
A autora francesa e ganhadora do Nobel Annie Ernaux , que é conhecida por escrever sobre sua própria vida com uma prosa seca e ainda assim completamente fascinante, nos leva de volta para sua juventude em “A Vergonha“ (Ed. Fósforo - trad. Marília Garcia). Desta vez, no entanto, somos apresentados a acontecimentos narrados sob a ótica de um sentimento profundo de inadequação.
Partindo de um episódio de violência brutal aos 12 anos de idade, quando seu pai tenta matar sua mãe, a autora relata o profundo desprezo que começa a nutrir não apenas pelos progenitores, mas por todo o estilo de vida rústico e interiorano que levam.
Se sua relação conturbada com os pais já havia sido debatida nos livros “Os Anos”, “O Acontecimento“ e especialmente em “O Lugar“, em “A Vergonha“ ela narra a origem exata desse sentimento e como ele influenciou sua psique adolescente.
Após a tentativa de homicídio, Annie perde a inocência e passa a enxergar os pais não somente como seres humanos cheios de falhas, mas também a comparar o estilo de vida que eles lhe proporcionam com os das colegas do colégio privado onde estuda. Nessa competição imaginária, a jovem é sempre a perdedora.
“A vergonha se tornou, para mim, um modo de vida. No fim das contas, já nem percebia sua presença, ela estava em meu próprio corpo”
Em outra passagem fascinante, a autora revela que até mesmo seu estilo de escrita, seco como um soco, mas ainda assim impossível de desviar os olhos, como um acidente, é resultado do meio, segundo ela sem requintes, em que foi criada: “Nunca vou conhecer o encanto das metáforas, a alegria do estilo“, diz.
Assim como em outras de suas obras, o grande trunfo da escrita de Annie em “A Vergonha“ é que, partindo de um acontecimento pequeno e pessoal, tentando entender a própria história, ela acaba por traduzir toda a sociedade de uma época.
Mais uma característica que continua presente no livro é a falta de receios em falar do comportamento e da fisiologia humanos. Temas como sexo, menstruação e aborto, entre outros, entram com naturalidade em seu trabalho e não parecem haver limites para a escrita da autora francesa. Segundo ela, “escrever é um ato público“.
Gostei da resenha. Já está na minha lista. :)
Amo ❤ Viva Annie!