"Aos Prantos no Mercado", de Michelle Zauner
"Desde que a minha mãe morreu, eu choro no mercado H Mart"
"Aos Prantos no Mercado", de Michelle Zauner, (Ed. Fósforo, tradução de Ana Ban), é um daqueles livros que mexe tanto com a gente que é até difícil de saber por onde começar a falar.
É uma verdade universalmente conhecida que nossos pais um dia morrerão - afinal, todos morrem. É, no entanto, um susto enorme quando o inevitável acontece; ninguém nunca está preparado para essa perda imensa.
Uma mãe, por mais problemática que seja essa relação, é o ponto de partida da nossa própria vida. Perder a pessoa que nos gerou é também perder um pouco o senso de identidade e origem.
Em seu livro de estreia, Zauner, conhecida por liderar a banda indie Japonese Breakfast, fala de forma muito pessoal - e ao mesmo tempo completamente relacionável - sobre esse processo de perda e como o luto a fez se voltar para suas raízes sul-coreanas como forma de reconexão com seu próprio passado.
Partindo de um passeio pelo mercado de comida asiática H Mart, quando ela não consegue segurar as lágrimas ao ver em cada gôndola os ingredientes dos pratos de sua infância, a autora dá início ao relato onde o ato de preparar uma refeição e amor vão se confundir em cada página.
O H Mart é para onde os filhos de imigrantes seguem quando querem encontrar a marca de macarrão instantâneo que lembra o lar da infância. É onde as famílias coreanas compram biscoitos de arroz para fazer tteokguk, a sopa de carne e biscoito de arroz que recebe o Ano-Novo. É o único lugar em que dá para encontrar um barril gigante de alho descascado, porque é o único lugar que realmente entende a quantidade de alho necessária para o tipo de comida que a sua gente consome. O H Mart é a libertação do único corredor da seção “étnica” dos mercados comuns. Aqui, não tem feijão enlatado ao lado de frascos de molho de pimenta sriracha. Em vez disso, é provável que você me encontre chorando em frente às geladeiras de banchan, lembrando o gosto dos ovos com molho de soja e da sopa fria de nabo de minha mãe. Ou na seção de congelados, segurando um saco de massa para bolinho, pensando nas tantas horas que eu e minha mãe passávamos à mesa da cozinha recheando a massa fina com carne de porco moída e cebolinha. Soluçando perto dos não perecíveis, perguntando a mim mesma se eu realmente continuo a ser coreana se não sobrou ninguém para quem ligar e perguntar qual era a marca de alga desidratada que a gente costumava comprar.
Aos poucos Zauner vai apresentando sua história; filha de um pai no melhor dos casos ausente e de uma mãe criada numa cultura muito diferente da sua, vemos a autora crescer e se rebelar contra seus progenitores até o momento em que sai de casa para estudar fora.
A liberdade traz uma melhora enorme para a relação. Mas a alegria dura pouco. Logo após terminar a faculdade, ela recebe a triste notícia que sua mãe fora diagnosticada com um câncer em estágio avançado.
Navegamos pelos meses seguintes, marcados pelos tratamentos intensos e as idas e vindas de parentes cheios de boas intenções, enquanto a autora vai infiltrando a narrativa com memórias da infância e adolescência como forma de tentar entender esse relacionamento.
Nesses momentos o livro toca de forma comovente em assuntos que vão além do luto, como a complicada relação entre mães e filhas, a falta de representatividade asiática na mídia norte-americana, o que a faz querer se afastar de sua origem sul-coreana quando jovem, alcoolismo, entre outros.
Se a história, extremamente pessoal como toda autobiografia é, pode até não chamar tanta atenção em si, é a escrita de Zauner que deixa as páginas em chamas. Sem poupar detalhes, sentimos quase como se estivéssemos presentes nas cenas descritas no livro.
Percebemos que ao escrever a autora consegue finalmente compreender muitos aspectos da mãe. Ela pode não ter sido uma pessoa cheia de elogios para dar, mas cozinhar era sua forma de demonstrar carinho e apresentar um pouco da cultura de seu país natal.
A morte da mãe, que é algo que já sabemos que acontecerá desde o primeiro capítulo, dói como se fosse de alguém que realmente conhecemos quando de fato ocorre. E é nesse, e em tantos outros momentos, que nós também nos vemos aos prantos.
Best-seller nos EUA, o livro que foi citado pelo ex-presidente Barack Obama como uma de suas melhores leituras em 2021 ganhou uma edição primorosa da Fósforo no Brasil, com ilustrações da artista também de origem coreana Ing Lee.
Amiga! Tô doida pra ler esse livro. Que resenha!!
Devorei sua resenha! Mal chegou na minha caixa e li tudinho - tamanha vontade de começar esse livro <3 Adorei! E não posso deixar de tirar meu chapéu para a frase inspirada em Orgulho e Preconceito. Bravo!