"Confissões de uma Máscara", de Yukio Mishima
"Entregaram-me o que poderia chamar de cardápio completo das inquietudes da minha vida antes ainda que eu pudesse lê-lo. Bastava-me pendurar o guardanapo e me sentar à mesa"
"Confissões de uma Máscara", do escritor japonês Yukio Mishima, é um livro ao qual não cabem rótulos. Pode ser considerado um romance com traços autobiográficos, por certo, mas vai muito além disso, trazendo relatos quase ensaísticos sobre a sexualidade, além de retratar um período completamente único da história, a II Guerra Mundial, do ponto de vista do cidadão comum japonês.
Num estilo de narrativa que me lembrou muito a francesa Annie Ernaux, conhecida pelos livros “O Lugar“ e “Os Anos“, em que narra acontecimentos históricos a partir de experiências pessoais, Mishima retrata por meio da trajetória do personagem Kochan, baseado em si mesmo, o Japão entre os anos 1920 e 1950.
O conflito maior se dá, no entanto, dentro da mente do próprio narrador. Além do dia a dia da guerra, cavando abrigos e tentando escapar de ataques aéreos, que acabam fazendo parte de sua rotina, ele ainda lida com a aceitação da própria homossexualidade numa época de grande preconceito.
Desde pequeno Kochan percebe sentir atração por pessoas do mesmo sexo, mas no Japão do começo do século XX, quase não existia representatividade para mostrar que seu desejo era completamente normal. Ao contrário, a orientação muitas vezes era tratada como um distúrbio.
Com um corpo frágil e não raramente também doente, algo que o livra de ser alistado no Exército, o protagonista se sente constantemente afastado do ideal de masculinidade. Aos poucos ele vai criando uma máscara, atrás da qual se esconde por conta das pressões da sociedade.
Já um jovem adulto ele conhece Sonoko, a irmã de um amigo por quem nutre grande admiração. Ele tenta de todas as formas se apaixonar, confundindo sentimentos, e engatando uma relação que não vai longe. É muito difícil lutar contra a própria biologia, mesmo que seja uma imposição da sociedade em que se vive.
O livro tem fim de forma delicada e bela, quando o protagonista consegue admitir para si mesmo que sim, ele é homossexual.
A escrita é rápida e irônica. Apesar de ser uma história claramente inspirada na própria vida do autor, ele não cai na tentação de se vangloriar ou, no polo oposto, se vitimizar. A morte, tema recorrente na obra do escritor, também está sempre presente.
O livro, lançado em 1949, foi um enorme sucesso, tornando Mishima um dos principais nomes da literatura japonesa do pós-guerra. Ainda em vida ele desfrutou de fama internacional e seus livros são ainda hoje celebrados mundialmente.
Mishima, cujo verdadeiro nome era Hiraoka Kimitake se matou em 1970, realizando o suppuku, o suicídio samurai, após liderar uma tentativa de Golpe de Estado frustrada. Por conta de sua ideologia nacionalista, ele é considerado uma figura controversa em sua terra natal.