“Degenerado“, escrito pela argentina Ariana Harwicz, não é um livro fácil de ler, mas, assim como outras obras notoriamente difíceis, é um experiência única para quem chega até o final.
Com a linguagem já conhecida de seus livros anteriores, Ariana resgata em “Degenerado“ o fluxo de consciência visceral e caótico que marcou as protagonistas de “Morra, Amor“, “A Débil Mental“ e “Precoce“, um ciclo que ficou conhecido como “Trilogia Involuntária“ da paixão.
Acontece que dessa vez o personagem principal é um homem idoso, racista e de extrema-direita que enfrenta um julgamento onde é acusado de abusar e matar uma criança. Ou seja, diferentemente dos demais protagonistas de Ariana, esse não cria um sentimento de empatia no leitor, mas, ao contrário, de repulsa.
Os detalhes do processo vão sendo revelados aos poucos, enquanto o réu tenta se defender, num enredo que vai embrulhando o estômago. Em seu monólogo verborrágico, vertiginoso e com falas cheias de preconceitos, ele nos relata, tentando em vão se justificar, os abusos sofridos ao longo da vida, alguns deles vindo dos próprios pais.
Suas declarações são muitas vezes distorcidas, desprovidas de conexão com a realidade e até mesmo contraditórias, revelando o instável estado de saúde mental do degenerado.
Mas se o assunto não é nada fácil, a habilidade e a beleza da escrita poética de Ariana nos impele a querer saber cada vez mais.
Aqui vale aquela mesma dica que a crítica Isadora Sinay deu sobre ler Virginia Woolf, e que também serve para grande parte dos livros escritos em formato de fluxo de consciência, que é preciso desapegar de entender cada detalhe e saborear a beleza do texto.
Ainda falando em Virginia, o texto de Ariana não lembra apenas a obra da escritora britânica, como também traz a divagações sobre a estrutura de mundo e sociedade tão comuns nos textos de Clarice Lispector.
Junto a Pola Oloixarac, Mariana Enríquez e Samanta Schweblin, Ariana vem sendo exaltada pela crítica como uma das mais importantes vozes da literatura argentina recente que vem conquistando os mercados também de fora do país.