(Especial) "Lendo Lolita em Teerã", de Azar Nafisi - colaboração de Carolina Ruhman Sandler
"Você vive falando sobre espaços democráticos, sobre a necessidade de espaços pessoais e criativos. Bem, vá em frente e crie esses espaços, mulher!"
Para comemorar que estamos batendo a marca de mil assinantes nessa newsletter, pedi para que algumas pessoas queridas - leitoras vorazes que admiro muito - escrevessem sobre livros que marcaram suas vidas.
A convidada de hoje é a , escritora, jornalista e querida amiga que a comunidade das newsletters me deu. Ela é a pessoa por trás da news , onde, além de trazer dicas de livros, também escreve crônicas com um olhar muito especial do mundo.
A Carol entrou esse ano no mestrado em Liberal Arts na universidade norte-americana Johns Hopkins, um curso que é repleto de leituras fantásticas - as quais a vejo compartilhar com brilho nos olhos.
Foi a partir dessa partilha que descobri diversos títulos bacanas nesse último ano, como é o caso de “Lendo Lolita em Teerã“, que entrou no top 10 da Carol de leituras de 2022.
Carol escreveu sobre esse livro, que toca em assuntos tão importantes e diversos como liberdade, feminismo e a revolução iraniana de 1979, de uma forma que me deixou emocionada. Aproveitem.
É difícil para alguém que ama literatura não se apaixonar por Lendo Lolita em Teerã, de Azar Nafisi. O livro de memórias da professora iraniana de literatura nos convida a participar das suas aulas na Teerã dos anos 1980 e 1990 - e nos mostra todo o poder da ficção.
Nafisi estudou literatura nos Estados Unidos e retornou para o Irã em 1979, logo após a revolução que derrubou o Xá Reza Pahlevi e transformou o país em uma república islâmica. A volta dela ao Irã foi motivada por idealismo; ela acreditava que o fim da monarquia trazia consigo a possibilidade de construir um país mais justo.
No entanto, em meio aos protestos e manifestações, a autora se vê perdendo seus direitos mais básicos sob regime do Aiatolá Komeini. Enquanto tenta ensinar as obras de Vladimir Nabokov, Henry James e Jane Austen, ela vê o conservadorismo religioso tomar conta do país e da universidade.
Em um momento, um aluno questiona a moralidade de ensinar O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Nafisi decide então organizar o julgamento do protagonista. É uma oportunidade para Nafisi defender o poder libertador da literatura:
"Um bom romance é aquele que mostra a complexidade dos indivíduos; e que cria espaço suficiente para que todos esses personagens tenham uma voz; desse modo, um romance é chamado de democrático - não porque defenda a democracia, mas porque ele é assim, por sua natureza. A empatia está no centro da questão, no âmago de Gatsby, como no de tantos outros grandes romances - o maior pecado é ficar cego diante dos problemas e dos sofrimentos das outras pessoas. Não enxergar esses problemas e esses sofrimentos significa negar sua existência".
Os livros e o puro prazer artístico e estético que eles nos oferecem são subversivos em um país onde amar é proibido e a polícia da moralidade prende (e continua a prender e matar) mulheres por não usarem o véu corretamente. Ler se torna uma forma de escapar da realidade - algo fundamental não apenas em regimes teocráticos.
Após muita pressão sobre os livros e assuntos que ela poderia ensinar e sobre a forma que deveria se portar, Nafisi decide sair da universidade e cria um grupo de estudos com suas alunas mais engajadas. A nossa vontade é de fazer parte daquele grupo, daquelas discussões - que servem como um respiro em meio a um contexto tão opressor.
Aos poucos, as aulas clandestinas na casa de Nafisi saem do terreno da literatura e se tornam oportunidades para elas confrontarem e refletirem sobre suas próprias circunstâncias. A discussão sai dos livros e se volta para o regime e os direitos das mulheres.
No início do livro, a autora diz que a ficção não é uma "panaceia". Mas ao longo dele, percebemos que ela pode ser muito mais do que isso: a literatura é consolo, nos mostra outras formas de viver, outros valores e comportamentos possíveis, constrói empatia e, acima de tudo, cria um vínculo entre aquelas mulheres em um lugar e um tempo onde sair de casa desacompanhada era um crime.
Um aluno de Nafisi defende em certo momento que "um grande romance eleva suas percepções e sua sensibilidade sobre as complexidades da vida e dos indivíduos, e impede que você, da sua hipocrisia, encare a moralidade através de fórmulas determinadas sobre o bem e o mal..."
O livro não tenta universalizar a experiência de Nafisi como uma mulher dentro do Irã, mas nos mostra uma perspectiva, uma voz. O que ela deseja é se rebelar contra a invisibilidade que o véu impõe sobre ela. Os livros e a imaginação são um refúgio apolítico e um espaço sagrado individual.
"Somente por meio da literatura uma pessoa pode se colocar no lugar da outra, e compreender seus lados contraditórios e diferentes, e se abster de se tornar muito impiedosa. Fora da esfera da literatura, somente um aspecto dos indivíduos é revelado. Mas se você compreender suas diferentes dimensões, você não pode assassiná-los tão facilmente...", defende uma colega da autora.
Lendo Lolita em Teerã é uma carta de amor à literatura, às liberdades individuais e ao espaço interno que ela cria dentro de nós.
(A edição brasileira está esgotada na editora, mas é fácil encontrar em sebos com um preço bacana)
Carolina Ruhman Sandler é jornalista e escritora. Com milhares de assinantes, sua newsletter Vou te Falar é uma das mais reconhecidas entre os substackers brasileiros. Você pode conhecer mais do seu trabalho em @carolruhmansandler
Aiii amei demais essa parceria 🖤 e fiquei com mais vontade ainda de ler esse livro
Maravilhosa análise. Fiquei doida pelo livro e essa história que infelizmente segue atual.