"Loira Suicida", de Darcey Steinke
"Seria o bourbon ou o cheiro de tintura que fazia as paredes cor-de-rosa tremularem feito lábios vaginais?"
Existe uma série de cobranças irreais por parte da sociedade com relação às mulheres; entre elas de que sejam belas, acolhedoras, maternais, etc. Isso se reflete também no mundo literário, onde grande parte, para não dizer a maioria, das protagonistas são mocinhas bonitas, elegantes, discretas, magras e sagazes.
Não é o caso de Jesse, a anti-heroína de “Loira Suicida”, de Darcey Steinke, que é cheia de defeitos, inseguranças, vícios e fluidos humanos. Esse fato por si só já faria o livro se destacar, mas a obra vai muito além, com enredo, construção de personagens e escrita também fora do comum.
A saga de Jesse tem início após mais uma briga com o namorado, o aspirante a ator Bell, que parece sempre procurar um motivo para estar triste. Ela reage se embriagando de whisky e decidindo pintar o cabelo de loiro, na tentativa de se tornar mais atraente para o companheiro.
Bissexual, Bell surta após receber o convite para o casamento de um ex-namorado de adolescência. Quando ele sai de casa sem rumo, Jesse se desestabiliza emocionalmente, dando início a uma jornada no maior estilo “Alice no País das Maravilhas”.
O buraco do coelho por onde Jesse entra, e acaba desencadeando diversos acontecimentos que irão mudar sua vida completamente, é a própria cidade onde mora, São Francisco, na Califórnia.
O livro, escrito no começo dos anos 1990, é considerado um clássico grunge, que representa a cidade de ressaca após o “verão do amor“, na década de 60 e 70. No final do século XX, a região é um antro de usuário de drogas, prostitutas e travestis, além de outros tipos de pessoas marginalizadas pela sociedade.
Jesse não é exceção, na busca pelo amor que ela nunca recebeu de Bell, nem de seus pais, na verdade, ela vai encontrando e se relacionando com personagens excêntricos desse submundo, como a madame Pig, uma milionária obesa que vive reclusa em casa, e sua filha, ou seria uma ex-namorada, a striper Madson.
Nessa jornada pela noite alternativa de São Francisco, Jesse faz sexo com estranhos, é estuprada, consume álcool em doses cavalares, se apaixona, se droga e trabalha como bartender numa boate de strip-tease. Tudo no período de uma semana.
A resposta mais evidente para sua crise existencial é que o amor que ela tanto procura, assim como Alice com o coelho, esteve sempre dentro de si mesma. Mas esse seria um desfecho demasiadamente moralista e óbvio para Jesse. Na realidade, a conclusão do livro é outra e de tirar o fôlego, mas não falarei sobre isso para não estragar a surpresa do futuro leitor.
O ponto alto da obra, no entanto, não é o enredo, apesar de este ser excelente, mas sim a linguagem com que é escrito. A habilidade de Steinke com as palavras é imensa. Seu ritmo frenético beira um poema beat, a geração de artistas que desbravou São Francisco antes de Jesse.
”Loira Suicida” é como se Lou Reed e Allen Ginsberg tivessem se juntado para escrever um livro. Se fosse um filme, a direção seria de Danny Boyle.