"Me acuerdo", de Martín Kohan
"Minha mãe amava cebola, meu pai não. Minha mãe amava cerveja, meu pai não. Minha mãe fumava cigarros Kent. Minha mãe acreditava em Deus, meu pai não"
No prefácio de “Léxico Familiar“, da italiana Natalia Ginzburg, o escritor chileno Alejandro Zambra diz que um dos grandes méritos do livro é que de tão simples, ele é sublime. A obra poderia ter sido escrita por qualquer um e seria completamente diferente e fascinante do mesmo modo.
Isso porque Natalia escreve sobre suas recordações de família e toda e qualquer história familiar é completamente única e intrigante. Entrar nesse universo particular é fascinante.
Em “Me Acuerdo“, o escritor Martín Kohan, faz justamente isso, uma nova versão de “Léxico Familiar“ ao relembrar sua infância na Argentina dos anos 1970.
As anedotas são comoventes, assim como no livro de Natalia. Ele narra, por exemplo, o verão que passou usando a mesma camiseta da seleção argentina e o dia que o motorista do ônibus escolar disse que o vestido de sua mãe era feio.
São pequenos trechos que de tão banais são comoventes, pois mostram com exatidão os acontecimentos marcantes da vida de uma criança.
Antes do jogo Argentina-Polônia no Mundial de 78, meus irmãos e eu perguntamos aos nossos avós para quem estavam torcendo. Eles disseram que não queriam ter nada a ver com a Polônia, pois os polacos haviam matado sua família inteira.
Assim como Natalia, Kohan também é uma criança judia num mundo de maioria cristã e o preconceito aparece por vezes de forma discreta e outras nem tanto, como quando uma criança do bairro o chama de “judeu de merda“ após uma briga.
Outros aspectos marcantes da época também estão presentes, como a ditadura militar e o amor pelo futebol, pelo Boca Juniors, em especial.
Minha mãe amava cebola, meu pai não.
Minha mãe amava cerveja, meu pai não.Minha mãe fumava cigarros Kent.
Minha mãe acreditava em Deus, meu pai não.
Os relatos são breves e em sua maioria não passam de curtos parágrafos. São pequenas anotações, organizadas sem estrutura aparente, como a própria memória funciona. A sensação é de que o autor está folheando um albinho de fotos do passado ao nosso lado.
Tínhamos um peixe que ficou doente e ficava quieto no fundo do aquário. Como nesses dias, na Espanha, agonizava Francisco Franco, passamos a chamar o peixe de Franco. No dia quem que Franco faleceu, em casa também morreu o peixe.
O escritor já foi publicado no Brasil, mas “Me Acuerdo“ segue sem tradução no país. O livro, no entanto, não é difícil de encontrar em formato de e-book e sua linguagem pode ser facilmente entendida, mesmo para aqueles que, como eu, não são fluentes em espanhol.