"Mrs. Dalloway", de Virginia Woolf
Citando, ainda que de forma um tanto desajeitada, o título da peça do dramaturgo norte-americano Edward Albee, "Quem tem medo de Virginia Woolf?", gostaria de dizer que até poucas semanas atrás esse era exatamente o meu caso. Para ser mais específica, meu maior receio era em relação a seus textos em formato de fluxo de consciência, que tantas vezes tinha tentado ler e desistido no meio do caminho.
Foi quase com um senso de dever cívico, pois considerava inadmissível nunca ter lido nada de Woolf, que peguei "Mrs. Dalloway" pela enésima vez. Dessa vez, no entanto, persisti e, poucas páginas adentro, já sentia aquela sensação tão gratificante de estar lendo meu novo livro favorito.
Todos os artifícios que de fato tornam uma leitura mais difícil estão lá: o romance em fluxo de consciência que muda constantemente de narrador sem aviso prévio, palavras difíceis e aspectos de uma cultura tão única como a sociedade inglesa em plena transformação no início do século XX, coma nobreza que começava a perder dinheiro e força, mas não seu prestígio.
Um dos melhores conselhos que recebi foi de aceitar que não dá para entender tudo o tempo todo quando se trata de Virginia Woolf e apreciar a beleza imensa do texto. Em "Mrs. Dalloway",sua sensibilidade captura minúcias, tristezas e belezas da existência humana como poucos escritores conseguem.
Todo o livro se passa ao longo de um único dia. Clarissa Dalloway vai dar uma festa e decide ela mesma ir comprar as flores, como diz a abertura do livro, uma das mais famosas da literatura britânica.
Nesse passeio de ida e volta da floricultura uma série de lembranças de seu passado vão surgindo e povoando sua imaginação. Um antigo amor que foi deixado de lado, amizades perdidas, entre outras relações.
Ao contrário do que possa parecer, Clarissa, que é rica, bem casada e parte da alta sociedade, não é feliz. E ninguém a sua volta se dá conta. "Mrs. Dalloway" dá um panorama em primeira pessoa, talvez com traços autobiográficos, sobre como é precisar de ajuda e nem mesmo conseguir se conscientizar disso.
Digo autobiográficos pois Virginia Woolf sofreu toda sua vida com questões da saúde mental. Hoje acredita-se que ela sofria de Transtorno Bipolar, que na época não tinha tratamento, e a levou a ser internada em diversas ocasiões e anos mais tarde a seu suicídio.
"Sentia-se muito jovem; e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse"
O suicídio, aliás, permeia a obra em diversos momentos e não apenas por meio dos pensamentos da protagonista. Septimus, um dos tantos outros personagens que emprestam sua voz à obra, é um soldado sobrevivente da I Guerra Mundial que sofre com stress pós-traumático. Após anos de tratamentos ineficazes, ele se mata na tarde da festa.
Clarissa toma conhecimento do acontecimento horas mais tarde, ao receber o médico de Septimus, que era um de seus convidados, em casa. A protagonista parece admirar a coragem do suicida, e até mesmo por um breve instante comtemplar a ideia de uma morte prematura, mas deixa o pensamento em suspenso quando alguém a chama.
Essa é a história de Clarissa, que aos poucos vamos conhecendo ao longo das páginas; ela sempre muda de direção, mesmo indo contra seus desejos, para ir de acordo com o que se espera dela.