"Mundo Real", de Brandon Taylor
"O afeto é sempre assim para ele, como um fardo indevido, como depositar um peso e uma expectativa sobre outra pessoa. Como se o afeto também fosse uma forma de crueldade"
Existir, para Wallace, é algo violento. Ele é um homem negro, gay e de origem humilde no mundo da elite acadêmica norte-americana. Ele não se sente visto ou entendido.
Ele é o único negro de sua turma e o primeiro em décadas no curso de pós-graduação em bioquímica de uma renomada universidade do meio-oeste. Essa é a menor classe em muito tempo e Wallace desconfia que não seja por acaso.
Em "Mundo Real", acompanhamos um final de semana na vida de Wallace, ocasião em que o luto pela morte recente de seu pai consegue vir à tona, mesmo que ele esteja evitando há semanas encarar esse sentimento, e vai corroendo os frágeis mecanismos psíquicos que ele criou para lidar com âmbitos instáveis de sua rotina.
Nas primeiras cinquenta páginas acompanhamos um encontro casual com seus colegas de classe. E já nesse primeiro capítulo fica bastante nítida a relação entre os estudantes de pós-graduação, quem se dá bem ou odeia quem.
Como o único negro, ele sabe que seus amigos nunca irão entender as dores que o afligem. Por isso nem tenta falar sobre seus problemas, uma prática que vem o afastando de todos desde o começo do relacionamento.
Acontece que uma infância cheia de abusos e traumas o tornou uma pessoa extremamente insegura. Ele não consegue se encaixar no grupo pois no fundo acredita que não merece estar no curso. Os comentários racistas de alguns conhecidos corroboram com essa tese dentro de sua cabeça, mesmo que esteja completamente errada.
Sua vida acadêmica é pontuada por microagressões vindas tanto de sua orientadora quanto dos próprios colegas e Wallace se sente cada dia mais sufocado nesse ambiente.
A história, que tem muitos fatos em comum com a vida do próprio autor, Brandon Taylor, fala com profundidade de um sentimento que eu, enquanto pessoa branca, nunca poderei entender, o da exclusão por conta da cor da pele.
Assim vemos um Wallace completamente inseguro de seu lugar no mundo, quase pedindo desculpas por existir. Ele se retrai diante dos amigos que querem sua companhia, assim como de possíveis interesses amorosos. Ele está acostumado com a solidão, o lugar onde julga merecer estar.
Aos poucos vamos percebendo, junto com o próprio Wallace, que ele não é o único personagem traumatizado por sua história e que o isolamento ao qual se submete é também uma forma de egoísmo, uma falta de enxergar o outro.
Além de escrever lindamente, o autor descreve personagens de uma forma tão cativante que só vi antes em "Uma Vida Pequena", de Hanya Yanagihara, e é difícil quando a história termina e precisamos nos despedir de Wallace e seus colegas.
Já em seu livro de estreia de Taylor mostra tanta maturidade nas escrita, um ritmo tão fluido no enredo e com construções tão inteligentes, que me leva a acreditar que ainda veremos muita coisa boa vindo do autor nos próximos anos.
Não por acaso o livro foi eleito um dos melhores do ano pelo New York Times em 2020, além de ser finalista do aclamado Booker Prize.
Demorei um tanto para ler porque já senti muitos pontos em mim, ótima descrição, Sarah. Já na lista para adquirir.
caraca, fiquei com MUITA vontade de ler!