"Pequenas Resistências", de Rivka Galchen
“No final de agosto nasceu uma bebê, ou, como me pareceu, uma puma se mudou para o meu apartamento, uma força quase muda”
Ser mãe foi uma das coisas mais curiosas que já aconteceu comigo. Foi como se me visse num país onde não falo a língua e do qual não conheço os costumes. Aos poucos, é claro, fui me adaptando e hoje não gostaria de morar em nenhum outro lugar.
Quando meu filho mais velho nasceu, em maio de 2015, eu queria ter tido tempo de escrever sobre a avalanche de hormônios que tomou conta de mim, assim como a sensação de ser inteiramente responsável pela vida de um ser completamente inofensivo e tantas outras coisas pelas quais nunca imaginaria que passaria.
Acontece que eu estava muito ocupada justamente com todas essas coisas para ter conseguido relatar essa época e hoje me lembro muito pouco disso tudo - e talvez seja para o bem.
Um ano antes, em 2014, a escritora canadense naturalizada norte-americana Rivka Galchen passaria pelo mesmo processo e, para a felicidade do leitor, registraria essa época tão avassaladora e crua em palavras.
“Pequenas Resistências“ é tudo que eu esperava de “Maternidade“, de Sheila Heti, após ler tantas críticas positivas do livro, que foi indicado até mesmo por nomes de peso como Miranda July. Acontece que para mim ficou parecendo apenas os lamentos de alguém que realmente não tem problemas sérios. O tom manhoso da obra me irritou profundamente e me arrependo até hoje de ter lido até o fim.
O livro de Galchen, ao contrário, não cai na armadilha de lamentar as agruras da maternidade ou mesmo de superestimá-la. Ela relata as novidades de sua rotina como se protagonizasse em um documentário do Discovery Channel. Suas observações são sinceras e sucintas.
Entre as questões levantadas pela autora no ensaio/relato/relatório da sua nova vida estão uma lista de escritoras que foram mães, que conseguiram essa façanha, de como bebês foram retratados ao longos dos anos na história da arte e como diferente camadas da sociedade reagem à uma mãe com um filho pequeno no colo.
Segundo entrevista ao jornal “Folha de São Paulo“, uma de suas inspirações foi “Memórias Póstumas de Brás Cubas“, de Machado de Assis, para encontrar o tom e formato do livro, que é divido em pequenos capítulos, algumas vezes não maiores que um tuite.
De todas as observações de Rivka, que trazem um frescor típico daquele tipo de indagação “como não pensei nisso antes“, a que mais me chamou a atenção foi a descrição da chegada da filha em sua vida como se um animal selvagem se mudasse para sua casa em plena Nova York.
O nome da bebê nunca é revelado, sabemos apenas que é chamada pela mãe de Puma, por conta de sua beleza e potencial destruidor, e eu não consigo pensar em metáfora melhor para a maternidade do que essa.