"The Great Believers", de Rebecca Makkai
"Mas quando alguém morre e você é o guardião do seu legado, deixar passar seria uma forma de assassinato, não é?"
Muito já se escreveu sobre a epidemia de Aids, especialmente sobre o período entre os anos 1980 e 1995, quando o coquetel ainda não havia sido descoberto e o seu diagnóstico era uma sentença de morte. Nunca, no entanto, será suficiente escrever sobre uma doença marcada por preconceitos e que deixou um rastro de pelo menos 30 milhões de óbitos, segundo dados da OMS.
Mas ainda se fala muito pouco sobre seus sobreviventes e as cicatrizes deixadas na pessoas que viveram essa época sombria, marcada pela relutância dos governos de todo mundo, a exemplo dos Estados Unidos, em criar medidas que garantissem o bem estar das vítimas - ou fomentar pesquisas por uma cura - e que resultou na morte de comunidades inteiras.
Em “The Great Believers”, ainda sem tradução disponível no Brasil, a autora Rebecca Makkai, por meio do artifício de elaborar duas histórias paralelas, uma que se passa em 1985 e outra em 2015, faz o que pouquíssimos autores conseguiram: expressar o espírito da época e mostrar as marcas profundas deixadas naqueles que passaram por tudo e por muito pouco conseguiram chegar até aqui.
Em 1985 acompanhamos Yale Tishmann, um jovem curador de artes que vive em Chicago e que vê, um a um, seus amigos morrendo em decorrência da Aids. Ele sente um desassossego, a impressão que o cerco está se fechando.
As primeiras páginas relatam o funeral de Nico Marcus, um dos melhores amigos de Yale. Acontecimentos desse dia terão consequências em sua história para o resto de sua vida.
O livro, apesar de não ser um suspense, tem um efeito bastante parecido no leitor, que tem dificuldades de largá-lo. Numa trama cheia de plot twists, queremos sempre saber o que irá acontecer nos próximos capítulos.
Em paralelo, em 2015, acompanhamos a irmã de Nico, Fiona Marcus, que vai até Paris para procurar Claire, sua filha desaparecida após entrar para uma seita religiosa extremista.
As duas nunca tiveram um bom relacionamento. A filha se recente da mãe, que ainda sofre de estresse pós-traumático e tem dificuldades para se entregar de fato à maternidade.
Mesmo 30 anos mais tarde, Fiona não consegue se libertar dessa página tão triste de sua história. Em seu inconsciente isso seria uma traição, seria esquecer daqueles que foram vítimas não só de uma doença avassaladora, mas do preconceito e do esquecimento do governo.
As histórias de Yale e Fiona vão aos poucos se entrelaçando, até se tornarem uma só. E Makkai ter conseguido fazer isso de forma quase orgânica, diz muito sobre sua habilidade como escritora.
“The Great Believers”, que foi eleito pelo New York Times como “o livro do ano“ de 2018 e foi finalista do renomado prêmio Pulitzer, deve agradar especialmente aos fãs da minissérie britânica “It’s a Sin“, por tratar de temas tão parecidos pela ótica da amizade, assim como aos órfãos de “Uma Vida Pequena“, de Hanya Yanagihara.
”Mas quando alguém morre e você é o guardião do seu legado, deixar passar seria uma forma de assassinato, não é? Eu amava tanto ele, mesmo que fosse um tipo de amor complicado. Para onde todo esse amor deveria ir? Ele morreu, então isso não muda nada. Não dá para virar indiferença. Eu fiquei presa com todo esse amor”