"Mentiras que Contamos", de Philippe Besson
“Porque você não é como os outros, porque eu não consigo enxergar ninguém além de você e você nem percebe isso“
Ser adolescente não é nada fácil. A tarefa se complica ainda mais se você é gay e está apaixonado por um colega de classe na França rural do começo dos anos 1980.
Escrever sobre paixões juvenis também não é algo simples. Existe uma linha muito tênue entre expor o calor de sentimentos tão avassaladores e cair em clichês melodramáticos. Afinal, amar é ridículo, como já diria William Shakespeare.
Em “Mentiras que Contamos“ (Ed. Astral Cultural), o autor francês Philippe Besson, consegue, no entanto, relatar um romance de verão adolescente com a habilidade que só vi antes em “Me Chame pelo seu nome“, de André Aciman. Talvez também em “O Quarto de Giovanni“, de James Baldwin, mas nesse caso os personagens já são mais velhos e mais donos, ainda que nem tanto, de suas emoções.
O protagonista, Philippe, que compartilha o nome com o próprio autor, é um jovem de 17 anos que cursa o último ano do colegial. Ele é gay, e já sabe disso há algum tempo, por isso não tem grandes esperanças de encontrar um amor na pequena e tradicional cidade onde mora. Mas um dos mais prolíferos artifícios da ficção entra em cena aqui. A gente não manda no coração e não escolhe quem ama.
O jovem se sente atraído por Thomas, um colega da escola bastante fechado, de cabelos bagunçados e olhar encantador. E qual não é sua surpresa quando o alvo de seu afeto o convida para tomar uma cerveja e lá tem início um caso cujo único combinado é que permaneça em segredo.
Quando Philippe pergunta o motivo de ter sido escolhido por Thomas, de quem não era próximo, ele responde: “Porque você não é como os outros, porque eu não consigo enxergar ninguém além de você e você nem percebe isso“.
Essa passagem captura perfeitamente o espírito do livro, o sentimento de ser jovem, estar completamente apaixonado e ter que lidar com as consequências de um amor proibido.
Com uma escrita que chega a lembrar a simplicidade de Annie Ernaux em alguns momentos, Besson descreve um sentimento quase universal; o de ter amado e perdido esse amor, que apesar do passar dos anos, permanece na memória como uma bela lembrança.
”Esse sentimento de amor me transporta para outro lugar, me faz feliz. Mas também me consome e me deixa miserável, da mesma forma que todos os amores impossíveis são tristes”
Mas, pessoalmente, acredito que a grande habilidade do autor é de brincar com o tempo. Com pequenos plot twists, revisitamos e entendemos melhor o passado e vemos o futuro com novos olhos, assim como acontece na vida real.
O romance, que é narrado pelo Philippe já na meia idade, vai revelando aos poucos pequenas nuances que só poderiam ser compreendidas muitos anos mais tarde, com a experiência adquirida com a idade.
”Mentiras que Contamos” foi sucesso absoluto de vendas na França e logo foi levado para o mercado norte-americano, onde ganhou uma lindíssima tradução da atriz Molly Ringwald - foi essa versão que li já alguns anos atrás -, e agora chega ao mercado brasileiro com tradução de Débora Isidoro.
Trailer da adaptação do livro para o cinema