"Notas sobre a Impermanência", de Paula Gicovate
"Quando o Sol nasce, o feitiço se acaba. As mãos se soltam na porta da boate, o beijo vira um estalo tímido na porta do táxi, o nó do corpo se desfaz porque ele vai para um lado e eu para o outro"
Acho importante começar essa resenha com um aviso; eu não li “Notas sobre a Impermanência“, da Paula Gicovate, com nenhum tipo de imparcialidade. Já nas primeiras páginas fui arrebatada pela experiência tão única de encontrar um livro que fala exatamente da minha geração, das minhas referências musicais e cinematográficas, do meu recorte de mundo - e o faz da maneira que mais me agrada, com doses de caos, poesia, lirismo e detalhes fisiológicos que quebram o transe romântico.
Lia, a protagonista, é uma mulher de 30 e tantos anos que frequenta os locais alternativos da moda no Rio e em São Paulo. E é nesse meio que ela conhece Otto, o dono de um dos bares mais hypados do momento.
A química é inegável. A atração é imediata e é nessas cenas de tesão exacerbado que a escrita de Gicovate realmente brilha, descrevendo experiências tão comuns e ao mesmo tempo tão únicas da bolha alternativa paulistana, como um primeiro beijo numa galeria vazia do centro às 4 da manhã.
Essa poderia ser mais uma história de amor de inferninho paulistano, não fosse o fato de que Otto está em um casamento feliz.
A partir desse momento vemos Lia observando a vida paralela do amado pela janela das redes sociais enquanto nutre esse relacionamento clandestino. Otto, por sua vez, não consegue deixar nenhuma das duas mulheres.
Eu nunca me importei com a solidão. Sempre fui invencível num balcão de bar até você chegar.
É uma leitura que te fisga, a sensação é de um acidente prestes a acontecer, e é difícil tirar os olhos das páginas. E mesmo que o leitor nunca tenha tido a experiência de se envolver com uma pessoa comprometida, existe ainda aquele eco de identificação das paixões avassaladoras, dos amores apressados e impossíveis.
O livro, como o próprio título já avisa, é um compêndio de notas nas quais a protagonista vai se entendendo e vasculhando sua tendência a escolher a impermanência, o calafrio dos amores recentes e fadados ao fracasso. Um eterno frio na barriga imune a calmaria da rotina de um relacionamento estável.
Mas se o tema do livro sem dúvidas me pegou de jeito, a verdadeira estrela de “Notas da Impermanência“ é a escrita de Paula Gicovate. Destacando a poesia do cotidiano e dos relacionamentos românticos fracassados, apenas para cortar o lirismo com doses de caos, ela me lembrou da obra do gaúcho Caio Fernando Abreu.
A autora contou para a newsletter que já havia sido influenciada por Abreu e também por Ana Cristina César em sua primeira publicação, “Este é um Livro sobre Amor”. “Eles me guiaram na vontade de escrever um romance fragmentado sem medo de uma escrita mais dolorida, flertando com poesia e outros gêneros. “Notas Sobre a Impermanência” veio sete anos depois. Nunca larguei Caio ou Ana C, mas foi um processo influenciado por outras leituras como Jennifer Egan (“A visita Cruel do Tempo” me marcou muito), Nora Ephron, Joan Didion (inclusive a Joan do livro é por causa dela), Patti Smith e Natalia Gizburg”, explicou Gicovate.
Por um tempo achei que ninguém havia capturado melhor a essência millenial do que Sally Rooney, mas quando li esse livro da Paula Gicovate percebi a falta que eu sentia do caos tropical e da sujeira de São Paulo nos textos da irlandesa.
Já ficou aqui nas prioridades da lista! Obrigada pela indicação, amiga
Eu amei esse livro! Concordo muito com a comparação com a Sally Rooney.