"Amanhã, Amanhã e Ainda Outro Amanhã", de Gabrielle Zevin
"E por que você não diria a alguém que o ama? Uma vez que você ama alguém, você repete isso até que a pessoa esteja cansada de ouvir. Você diz até que perde o sentido. Por que não?"
“Ela teria de morrer, mais cedo ou mais tarde. Morta. Mais tarde haveria um tempo para essa palavra. Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco - faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado.” (Trecho de “Macbeth”, de William Shakeaspere)
Das muitas coisas boas que a peça “Macbeth”, de William Shakeaspere, deu para a humanidade, estão entre elas os títulos de três livros realmente excepcionais: “O Som e a Fúria“, de William Faulkner, “Todos os Nossos Ontens“, de Natalia Ginzburg, e mais recentemente, “Amanhã, Amanhã e Ainda Outro Amanhã“, da norte-americana Gabrielle Zevin, sobre o qual falarei hoje.
É óbvio que o título não foi escolhido ao acaso e a influência de Shakespeare é claramente sentida nas idas e vindas das vidas dos protagonistas ao longo de três décadas de amizade. Assim como é comum na obra do dramaturgo inglês, nenhuma ação acaba impune, e os personagens passam anos e anos colhendo os resultados até mesmo dos mais insignificantes atos que plantaram no passado.
Tudo começa no início dos anos 1990, quando Sam Masur encontra Sadie Green por acaso no metrô de Boston. Amigos de infância que perderam o contato, ambos se mudaram de Los Angeles para o outro lado do país para estudar; ele Matemática em Harvard e ela Ciências da Computação no MIT.
É um encontro rápido, mas que termina de um forma que irá moldar todo o resto da história de ambos. Sadie entrega a Sam um disquete com um jogo que ela elaborou para uma das aulas extracurriculares do curso.
Os dois se conheceram ainda crianças, em meados dos anos 1980, quando uma profunda amizade floresceu entre eles a partir de uma paixão em comum pelo Mario e pelo Donkey Kong.
Já adulto e fascinado pelas habilidades da amiga, Sam faz um convite, sem aceitar não como resposta. Ele quer que construam um jogo juntos. O sucesso da empreitada irá trazer a fama e o dinheiro que eles nunca imaginariam um dia ter. Mas seria isso suficiente?
Falando assim pode até parecer uma simples história sobre videogames, o que não atrairia grande parte dos leitores dessa newsletter - aqueles que, assim como eu, passaram seus anos de formação diante dos livros e não dos fliperamas. Acontece que o foco da narrativa não está no mundo dos games, que é delegado a segundo plano, tornando-se apenas pano de fundo para a saga de uma amizade que atravessa décadas. Aos poucos fica claro que os verdadeiros temas da obra são o amor e a perda. Ou seja, é uma leitura que agrada até mesmo aqueles que nem sabem o que é Minecraft.
"Para mim a questão era: como jogar videogames durante toda a sua vida afeta sua relação com o mundo, com a mortalidade, com as outras pessoas?", explicou a escritora em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.
O livro por vezes lembra um pouco “Uma Vida Pequena“, o mastodonte escrito por Hanya Yanagihara que parece especialmente projetado para fazer o leitor chorar. Os protagonistas de ambas as obras sofrem de ferimentos muito sérios na perna, além de terem histórias de vida cheias de traumas - o que faz com que acabem sempre se afastando daqueles que amam.
Esse medo de se relacionar afeta de inúmeras formas a relação de Sam com as pessoas mais próximas dele, Sadie e seu colega de quarto em Harvard, Marx. Ao contrário dos amigos de Jude, em “Uma Vida Pequena“, que parecem ter um estoque de paciência infinito, as amizades em “Amanhã, amanhã e ainda outro amanhã“ se desgastam diante de tantos bloqueios emocionais. É especialmente nessas nuances que a leitura cresce muito — não por acaso o livro foi escolhido como um dos melhores de 2022 pelo New York Times, além de receber elogios de John Green e Emma Straub.
Se a relação de Sadie e Sam é cheia de percalços, seu arco de redenção acontece no mundo virtual. Se no mundo real eles estão sempre em combate, no videogame não tem como negar que sua química é perfeita. Se a trajetória dos dois é entrecortada por traumas e tragédias, pelo menos nos jogos, o renascimento pode ser infinito e sempre existe a chance de começar de novo. Existe amanhã e amanhã e ainda outro amanhã. Diferente da morte, o game over não é um final definitivo.
Sarah, eu acabei de acabar de ler o livro e já vim correndo ler a tua resenha!!! Eu me emocionei muito nessa parte do livro que aparece o trecho do Shakespeare 🥲 No início foi uma leitura bem devagar pra mim. Não me capturou de cara. Mas conforme as relações foram se desenvolvendo, e os detalhes foram se amarrando, me apaixonei pelo livro e não consegui mais largar. Também vi uma semelhança enorme com "Uma vida pequena". Que legal saber que você também sentiu isso. Chorei em vários momentos, e eu adoro quando uma história me toca assim profundamente. Amei te ler, como sempre ♡♡♡ um beijo
adorei relembrar do livro pelo seu olhar <3