"Brancura", de Jon Fosse
"O tédio havia se apoderado de mim, logo de mim, que nunca me deixei afetar por ele. (...) Por isso decidi fazer alguma coisa"
É muito comum que autores tragam na bagagem alguns vícios de escrita. Muitos deles são até mesmo encantadores, como o tom envangelista de algumas obras de Liev Tolstói ou a dureza que Natalia Ginzburg traz para as páginas.
Alguns outros cacoetes, no entanto, me irritam profundamente. Li três livros de Philip Roth - “Nemesis“, “O Complexo de Portnoy“ e “Quando ela era Boa“ - e todos eles trazem um final muito parecido. Fiquei irritada e desisti daquele que é considerado um dos maiores escritores norte-americanos do século passado. (É claro que isso é um gosto muito pessoal e ninguém deve descartar essa leitura por conta da minha experiência).
Ainda me encontro dividida a respeito de Jon Fosse - não sei se considero seu estilo charmoso ou cansativo. Achei “Brancura” (Ed. Fósforo - Tradução de Leonardo Pinto Silva) muito parecido, e ao mesmo tempo muito diferente, de “É a Ales” (Companhia das Letras - Tradução de Guilherme da Silva Braga), o outro livro do escritor norueguês que li logo após ele ser anunciado ganhador do Nobel de Literatura em 2023. (A resenha você encontra aqui).
As duas publicações têm a mesma escrita labiríntica, vertiginosa, além de tratar de temas parecidos; as elocubrações de pessoas que cuja sanidade parece estar por um fio.
O frio, a brancura da paisagem escadinava, esse cenário que é quase um personagem, também está de volta.
Mas em “Brancura” existe apenas um protagonista - em contraste às diversas gerações que habitam as folhas de “É a Ales”.
Não sabemos nada dele, nem mesmo seu nome. Ele sai sem rumo de carro e se põe a andar numa floresta sem destino quando o veículo fica atolado numa estrada deserta.
Está anoitecendo, neva e o frio é intenso. Ele começa a ter visões (ou seriam alucinações?), num diálogo interno, um fluxo de consciência, que virou a marca registrada de Fosse.
É uma narrativa vertiginosa, transcendental - seu ritmo lembra uma prece, uma meditação. Mais uma vez, é preciso celebrar o grande mérito de em momento nenhum o texto se tornar repetitivo e maçante.
É um livro muito bonito, sem sombras de dúvida. A forma que ele trata a depressão e a morte é muito delicada e poética.
Acontece que o formato com que a história é contada se tornou batido para mim. O livro me trouxe uma impressão de mais do mesmo por ter uma estrutura muito similar à usada em “É a Ales“.
Aquilo que me pareceu genial num primeiro contato, agora ficou com cara de figurinha repetida.
Nossa Sarah, concordo muito!!!! Eu li Brancura primeiro e fui pra É a Ales depois e empaquei nesse segundo. Ficou repetitivo e muito confuso, o que também tinha achado genial no Brancura, isso que você descreveu como escrita labiríntica!!!
Ainda quero voltar pra É a Ales pq a sua outra resenha tinha me encantado, mas já não sei quando 😂
Eu li Brancura e não gostei, Sarah. O livro é bem escrito, prende a atenção, mas quando terminei, fiquei "UER".
Eu tinha acabado o "A mais recôndita memória dos homens", que me atravessou em todos os lugares. Depois peguei Brancura e foi um freio.
Fiquei, inclusive, questionando internamente o repertório de cada autor, as suas experiências, como um quase determinante do fazer literário.
Depois esbarrei num texto do Antônio Xerxenesky falando sobre o Brancura (maravilhoso, por sinal), contando sobre a trajetória literária do Fosse.