"Kitchen", de Banana Yoshimoto (e a "literatura de cura")
"Na noite em que ele morreu, minha alma foi embora para algum lugar do qual eu não conseguia trazê-la de volta"
Muito tem se falado da “literatura de cura” ou “de conforto“ vinda de países asiáticos, especialmente Japão e Coréia do Sul, mas nenhuma das minhas investidas nessa área me foram muito proveitosas.
Li uns dois ou três títulos do mais vendidos desse gênero e não achei nada além de raso. Claro que é uma delícia acompanhar uma história que se passa numa livraria, biblioteca ou café, três dos lugares notoriamente mais aconchegantes do mundo. Mas não passa muito disso. Achei as histórias vagas, os diálogos pobres e as construções fracas.
Talvez, num mundo dominado pela urgência das redes sociais, seja exatamente isso que a gente precisa, pouco estímulo. Mas não é o tipo de literatura que me agrada. E isso é uma das coisas mais maravilhosas do mundo literário, uma obra que passou batida por mim, pode ser o livro da sua vida, e vice-versa.
Uns anos atrás li “Guerra e Paz“, uma obra que dez entre dez dos meus amigos que leram, amaram. Mas Tolstoi não funciona para mim, seu jeito de pregador me entedia. E, de novo, está tudo bem. É uma questão de gosto, não juízo de valor.
”Kitchen” é um celebrado - e esgotado - livro da autora japonesa Banana Yoshimoto. É muito comum a obra constar na lista de favoritos de qualquer fã da literatura asiática. Por isso sempre esteve no meu radar. Recentemente, desisti de esperar por uma reedição - que parece que finalmente vem esse ano pela Estação Liberdade - e comprei a edição norte-americana.
Eu já esperava que fosse um ótimo livro, levando em consideração todos os comentários que ouvi ao longo dos anos. Mas não esperava que esse sim fosse um livro “de cura” para mim.
Eu poderia ter devorado “Kitchen“ facilmente, mas preferi saborear cada trecho, quase como se fossem as deliciosas refeições narradas por Yoshimoto. (As descrições parecem saídas diretamente de um filme do aclamado Estúdio Ghibli e são de dar água na boca).
Mas se o livro fala muito, e de forma muito bonita, sobre sabores, receitas e cozinhas, ele é, de uma forma um tanto inesperada, também um tratado sobre o luto.
“Kitchen“ é dividido em três partes; nas duas primeiras acompanhamos Mikage, que tenta se restabelecer após perder a avó, sua última parente viva, e na última, conhecemos, Satsuki, cujo amor da vida acaba de falecer. São histórias completamente individuais, unidas apenas pela solidão e pela perda.
Um bom escritor é aquele que consegue colocar em palavras sentimentos que a gente nem sabia que tinha. E há tempos eu não me deparava com uma narrativa assim, onde pessoas se debatendo com perdas recentes refletiram tanto os questionamentos que tive nos últimos anos.
E, mais uma vez, tudo isso acontece numa atmosfera acolhedora, com descrições dignas de um filme de estúdio Ghibli, além de personagens fascinantes. Ou seja, para mim, “Kitchen“ foi a verdadeira experiência de “literatura de cura“.
(Um alerta: Tive a impressão que livro, escrito no Japão do final dos anos 1980, é muitas vezes indelicado na forma que alguns personagens falam de pessoas trans. Espero que tenha sido apenas algum engodo na minha leitura, já que inglês não é minha primeira língua e algumas nuances podem escapar. Quero conferir mais tarde na tradução que sairá em português).
Leia também.
"Amanhã, Amanhã e Ainda Outro Amanhã", de Gabrielle Zevin
“Ela teria de morrer, mais cedo ou mais tarde. Morta. Mais tarde haveria um tempo para essa palavra. Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó d…
"This Time Tomorrow", de Emma Straub
Num primeiro momento, “This Time Tomorrow“, ainda sem tradução para o português, pode parecer um romance sobre viagem no tempo e as decisões que desenham os rumos da nossa vida. Mas conforme a leitura vai avançando, fica claro que se trata de uma carta de amor.
torcendo para a estação liberdade lançar MESMO uma nova edição pq agora quero reler e minha edição antiga está só os ácaros
só li agora essa newsletter, achei maravilhosa a dica, já queria ler alguma coisa da banana. acabei de ver que a edição da estação liberdade vai ser lançada dia 16/06, semana que vem!