"Paixão Simples", de Annie Ernaux
"Estava sempre calculando, ‘há duas semanas, cinco semanas, ele foi embora’, e ‘no ano passado, nessa data, eu estava aqui, fazendo isso e aquilo’”
Acho que a grande descoberta pra mim nesse livrinho de menos de 70 páginas chamado "Paixão Simples", é que até mesmo uma ganhadora do Nobel em sua quinta década de vida, quando apaixonada, sente as mesmas coisas que eu senti quando tinha 15 anos.
Não é nenhuma novidade que Annie Ernaux usa em sua escrita de histórias muito pessoais para narrar sentimentos universais. Se eu fosse economista, diria que através do micro, ela consegue explicar o macro.
A francesa consegue fazer algo comigo que poucos escritores fazem. Ela traz à tona sentimentos que por vezes nem sabia que tinha enterrados em mim; a sensação de inadequação em "A Vergonha", os abismos entre as gerações da minha família em "Os Anos" e uma raiva imensa do lugar ao qual o corpo da mulher é delegado na nossa sociedade em "O Acontecimento".
Mas lendo "Paixão Simples" foi que me senti realmente deslumbrada.
Acontece que, apesar de ser um sentimento tão universal, raramente vi a paixão sendo retratada de maneira tão realista na literatura. A tendência é cair em clichês, sejam eles demasiadamente sentimentalistas, ou, no polo oposto, desprovidos de emoção.
Posso citar aqui como exceções "O Quarto de Giovanni", do mestre James Baldwin, e "Me chame pelo seu nome", de André Aciman. Acontece que esses dois exemplos são ficção.
A ganhadora do Nobel, como já sabemos, não nos poupa de detalhe nenhum, sua escrita é crua, quase como se narrasse de um ponto de vista de fora de suas próprias experiências. E em "Paixão Simples" ela vai das glórias às humilhações de se estar completamente fora de si, arrebatada pela paixão.
A francesa perde o metrô, deixa a cinza do cigarro queimar o tapete, entre outras trapalhadas, pois não consegue parar de pensar em A., seu amante casado.
É um caso sem futuro, ela sabe disso, e sabe também o quanto esse sentimento é raro, então aproveita cada pedacinho dele, deixando-se levar sem culpas.
Como disse antes, quem ganha com esse relato é o leitor, que tem em mãos mais um dos deliciosos textos da mestre da autoficção.
"Estava sempre calculando, ‘há duas semanas, cinco semanas, ele foi embora’, e ‘no ano passado, nessa data, eu estava aqui, fazendo isso e aquilo’” […]. Pensava que era muito estreito o limiar entre essa reconstituição e uma alucinação, entre a memória e a loucura”.”
Li esse livro logo que ele foi lançado pela Fósforo aqui no Brasil, com tradução de Marília Garcia, mas foi só com a mais recente edição da newsletter da Isadora Sinay que me senti compelida a escrever sobre ele.
Numa conversa que tivemos num restaurante, mas que poderia facilmente ter acontecido numa mesa da bar, estávamos debatendo justamente sobre esse livro quando perguntei qual sua opinião, num âmbito sócio-econômico, sobre a paixão.
Sua resposta foi um ensaio em um parágrafo, como apenas ela e algumas pessoas iluminadas são capazes de fazer; é "a maior resistência contra o capitalismo que existe, já que ela é anti-produtiva, você não quer trabalhar, só ficar transando; anti-família, já que você não quer pagar conta e ter filhos, quer só ficar ali vivendo aquela coisa, aquela pessoa. É um sentimento em si mesmo, ela não vai para lugar nenhum, ela é destrutiva, você só quer viver aquilo e se consumir na outra pessoa e é isso", concluiu.
E é isso que Ernaux narra tão bem em tão poucas páginas, as agruras e delícias de ser completamente desorganizada por uma paixão - que é igual você tenha 15 ou 50 anos.
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Esse livro me jogou lá numa época em que estava cega de paixão, pensando no rapaz 24h por dia, sem comer direito. Nossa, que fase. Hoje lembro desse período com uma tristezazinha, mas tranquila por ter tido experiência tão intensa na vida.
Um beijo.
Quando li esse livro entendi o que tinha acontecido comigo algum tempo atrás. Fiquei tão obsessivamente apaixonada que me sentia doente. Bom saber que tantas outras passam por isso. O bom é que passa, pq é muito cansativo estar perdidamente apaixonada...Concorco com a Isadora que é bem anticapitalista mesmo rsrsrsrs